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O PARADOXO DOS OPRIMIDOS

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_Senhora Stowe, aqui está seu chá gelado – disse o negro Tom, com voz baixa, rouca, cadenciada e olhando para o chão.

_Tom, já disse, olhe para meus olhos. E por favor chame de Harriet. Eu dispenso formalidades.

_Mas Senhora Stowe… Dona Harriet, patrão não me permite tratar os brancos assim. Ele certamente irá me castigar – respondeu o grisalho.

O bairro do Queens era arborizado, mas naquela tarde de 1851, o verão novaioquino estava especialmente quente, o que trazia desconforto para o corpo que transpirava, mas muito prazer para os olhos, que assistia crianças aos montes brincando nas ruas e charretes num frenético vai-e-vem.

Harriet era do estado vizinho – Connecticut – e injuriava-se com a forma com que os negros eram tratados em Nova Iorque. Religiosa que era, ela entedia que Deus criara os seres humanos para serem igualmente livres e não compreendia como uma sociedade dita religiosa ignorava uma literatura tão rica e difundida, a Bíblia, que militava em favor das minorias oprimidas e lutava contra preconceitos.

_Tom, a Bíblia nos ensina que devemos lutar em favor das minorias oprimidas. É uma orientação explícita em vários versos do livro de Deuteronômio, por exemplo. Veja apenas esta parte: “Maldito seja aquele que não respeitar os direitos dos estrangeiros, dos órfãos e das viúvas!’ E o povo responderá: ‘Amém!’ ” (27:19). Um olhar de igualdade de direitos e de justiça permeia toda esta literatura, Tom. Veja que até no Novo Testamento, temos uma carta de Tiago, onde ele é muito firme ao dizer que:  “Para Deus, a religião pura e verdadeira é esta: ajudar os órfãos e as viúvas nas suas aflições” (1:27). Ouça mais esta, Tom:  “Donos de escravos, tratem os seus escravos também com respeito e parem de ameaçá-los com castigos. Lembrem que vocês e os seus escravos pertencem ao mesmo Senhor, que está no céu, o qual trata a todos igualmente” (Efésios 6:9).

_Mas Dona Harriet, porque as pessoas não passam a praticar a religião deste livro preto? Parece muito boa!

_Tom, nossa sociedade é a sociedade do livro preto, mas não pratica tudo o que ele ensina! O livro preto ensina não apenas a tratar as pessoas com igualdade de direitos, mas, sobretudo a cuidar das pessoas menos favorecidas da sociedade, as minorias. Mas o ser humano pensa mais em sí mesmo. Como o governo é formado por seres humanos… As leis acabam por não olhar para as minorias. Se nossa sociedade praticasse o que o livro preto diz, Tom, o amor imperaria e as relações seriam menos injustas. E digo mais: os ricos pensam apenas em ficarem mais ricos…

_Mas isto jamais mudará, dona Harriet.

_Não diga isto, Tom, tenha esperança! Temos que mudar o ser humano por dentro. Mudar seus valores. Eu sonho com o dia em que o presidente deste país será um negro…

_Hahahaha! Que é isto dona Harriet?

_Sim, Tom… Eu sonho que o ideal de justiça social atingirá muitos pobres do nosso país, e que as minorias – sejam por cor ou gênero – alcançarão muito além que direitos iguais, mas mesmo eu, que sou mulher, sonho em ser uma escritora! Uma grande escritora! Aliás, sonho com o dia que mulheres também serão presidentes de países.

Os risos de ambos ecoaram no casarão vitoriano…

-Tom, por favor, me traga papel e tinteiro. Iniciarei meu livro agora mesmo… Você será meu personagem principal. Vamos mudar os rumos da história, Tom!

Luciano Maia

German Chancellor Angela Merkel speaks with U.S. President Barack Obama outside the Elmau castle in Kruen near Garmisch-Partenkirchen, Germany, June 8, 2015. Leaders of the Group of Seven (G7) industrial nations vowed at a summit in the Bavarian Alps on Sunday to keep sanctions against Russia in place until President Vladimir Putin and Moscow-backed separatists fully implement the terms of a peace deal for Ukraine.           REUTERS/Michael Kappeler/Pool   TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: mkx049
 Chanceler alemã Angela Merkel conversa com o Presidente Barack Obama nos jardins do castelo Elmau, na Bavária, esta semana. Um mulher e um negro, líderes das mais ricas e avançadas sociedades do planeta, tratam do futuro climático do mundo, dos rumos da humanidade e em como manter o status quo de seus países.

 

Nota do autor:

Harriet Stowe publicou o romance abolicionista “A Cabana do Pai Tomás” (Uncle Tom´s Cabin) em 1851, vendeu mais de 2 milhões de cópias, ficou milionária e muito influente. Num encontro com Abraham Lincoln ele afirmou que seu livro causou a Guerra Civil americana, que culminou com a abolição da escravatura em 1863.

 

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